As sete riquezas
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Rafael Nogueira
6/18/20253 min read
A palavra “riqueza” empobreceu. Ou melhor, se descaracterizou, como vinho avinagrado por ficar tempo demais na geladeira. Restou dela só o aroma vulgar do dinheiro, da segurança material, do bem-estar imediato. Um olhar atento às vidas que realmente deixaram marcas — aquelas que, décadas ou séculos depois, ainda provocam reverência, respeito, até inveja — percebe uma evidência: as maiores fortunas não aparecem em extratos bancários, não cabem em cofres, nem se transferem por pix. São invisíveis, mas decisivas.
A primeira riqueza é a cultura. Não decorar frases ou citar autores como quem exibe medalhas. Cultura, no sentido que importa, é raiz, identidade, pertencimento. É repertório que serve a uma inteligência disciplinada. O homem culto transita entre história, filosofia, artes, política e ciências. Conecta pontos, interpreta o presente com memória do passado, antecipa futuros com alguma margem de acerto. Como um arquiteto que conhece bem as fundações. Sem cultura, a liberdade de pensamento vira ilusão de quem repete slogans, e o juízo apenas corolário de premissas dadas pelos que controlam as mentes.
A segunda é a ética. Palavra quase suspeita, como se virtude, honra e boas maneiras fossem falsidade. Ética é a expressão exterior de uma ordem interior. Além da reflexão moral, a flexibilidade da conduta faz respeitar etiquetas, como entrar e sair de uma conversa, afirmar posições sem criar inimizades, discordar sem humilhar, portar-se bem à mesa. Uma armadura invisível: protege a dignidade alheia e preserva a própria.
A terceira é o nome. Capital que o mercado não negocia. Dinheiro vai e vem. Um nome sujo, não. Ter um nome bem falado na praça é ser lembrado com confiança, até por quem mal nos conhece. Crédito que não cobra juros, mas que se perde numa transação mal feita. Nome é reputação cristalizada no tempo: constrói-se devagar, destrói-se num instante.
A quarta riqueza são as amizades. Não qualquer amizade, mas a que forma uma comunidade moral. Homens que corrigem, encorajam, confrontam. Companheiros que não deixam ninguém para trás. Quando em apuros, é mais fácil obter sucesso pelas mãos dos amigos do que pagando gente para ajudar.
A quinta é a rede de contatos. Se as amizades são vínculos do coração, as redes são instrumentos da ação. Conhecidos, colegas, parceiros: gente que indica, recomenda, abre portas. Como sementes plantadas sem pressa, essas relações — cultivadas com respeito e lealdade — ampliam o alcance das próprias capacidades. Às vezes fazem a diferença entre ver oportunidades passarem e ter a chance de agarrá-las.
A sexta é o dinheiro. Ignorá-lo é ingenuidade. Idolatrá-lo, uma tragédia. Saber ganhar, preservar, investir, perder e reconstruir faz parte da maturidade. O dinheiro é como o fogo: servo necessário, senhor terrível. Quem faz dele o centro da vida termina escravo dos próprios ganhos e, quase sempre, solitário no meio da abundância.
Por fim, a sétima riqueza: a prudência. Virtude sem a qual todas as demais se corrompem, a prudência é a capacidade de decidir o que fazer, de saber quando avançar ou recuar, quando calar ou falar, quando assumir riscos ou proteger o que se tem. Usa a contemplação filosófica já feita, mas é diferente dela. É rápida, de impulso. O homem prudente resolve o simples e o complexo, mantém a cabeça no lugar em meio ao caos.
Sem prudência, cultura vira pedantismo, ética vira teatro, nome se perde, amizades são mal escolhidas, redes se tornam oportunismo e dinheiro vira armadilha.
Talvez a saída para um tempo tão desorientado quanto o nosso seja justamente um estilo de vida que pareça, à primeira vista, fora de moda — de aprimoramento constante, como um artesão que jamais para de aperfeiçoar sua arte. O resultado é coisa que dinheiro nenhum pode comprar.
Publicado 18/06/2025 00:00 no Jornal O Dia
https://odia.ig.com.br/colunas/rafael-nogueira/2025/06/7076967-as-sete-riquezas.html
Arte Paulo Márcio