O Marco Zero da Esperança

Rafael Nogueira

12/24/20253 min read

O Natal é a celebração que prefiro dentre todas pelo que representa: o marco zero da esperança, o nascimento dos nascimentos, aquele que torna possível todos os recomeços.

Para a alma que busca o sentido profundo, ele é uma festa anual que irrompe no meio do inverno do espírito, trazendo uma luz que não se apaga. É, para mim, a data predileta: o eixo em torno do qual giram as memórias mais queridas e as promessas mais sagradas.

A beleza do Natal reside, paradoxalmente, em sua origem humilde e em seu destino glorioso. O mistério central é a manjedoura, essa realidade inóspita e suja que se torna o trono do Rei. É a prova cabal de que Deus se apresenta onde a vida é mais crua, mais despojada, mais nossa. A manjedoura é a nossa própria realidade, o caos de nossos corações, a sujeira de nossos erros, o frio de nossas dúvidas. E é ali, nesse lugar improvável, que o Verbo se faz carne, nasce e cresce, convidando-nos ao mais profundo dos encontros.

Nos últimos dias, caminhando por avenidas decoradas nas cidades em que estive (Florianópolis, São José, Rio de Janeiro, São Paulo, Santos) observei como dezembro transforma a paisagem urbana. As fachadas se cobrem de estrelas luminosas, as vitrines ganham presépios e guirlandas e, até mesmo, os perfis nas redes sociais — esse nosso novo espaço público — aderem aos festejos natalinos com uma espontaneidade surpreendente. Em tempos de tensões, ver governos, empresas, influenciadores e pessoas comuns abraçando os símbolos cristãos do Natal, com respeito à sua origem religiosa, é sinal de que algo transcendente ainda nos une.

A data me toca de modo particular porque também foi num Natal que experimentei meu próprio renascimento espiritual. Depois de quinze anos afastado da Igreja Católica, distante dos sacramentos, longe daquela intimidade com o sagrado que eu conhecera na infância, foi numa noite de dezembro que me reencontrei. Confissão e comunhão, depois de tanto tempo, foram um retorno à casa paterna, como o filho pródigo que finalmente compreende o tamanho da misericórdia.

E o Natal é também uma mesa onde se sentam vivos e mortos, pela memória, pela gratidão, pela saudade. Há natais que carregam a marca da avó, dos tios, das risadas que já não voltam, dos pratos que só existiam naquelas noites. Foram, para mim, alguns dos dias mais legais da vida: alegria simples, sem pose, com um tipo de calor que não se alcança em dias ordinários. Hoje alguns não estão mais conosco, e no Natal a saudade fica mais viva, não para nos roubar a festa, mas para lhe dar o conforto da verdadeira esperança.

Por isso, agora que este tempo santo se cumpre, proponho que façamos algumas orações: por nós, para que o coração se deixe refazer; pelo Brasil, para que recupere a justiça e a lucidez; pela humanidade, para que a guerra não seja a última palavra; e por todos os que sofrem injustamente.

Rezo, de modo especial, pelo meu amigo Filipe Martins e por todos aqueles que, na minha percepção, padecem sob penas injustas e processos indevidos — e, ao mesmo tempo, para que nosso sistema de justiça volte a perseguir com firmeza os bandidos que roubam e matam, em vez de criar de vinganças pessoais, sem ceder à tentação da parcialidade e do espetáculo. Senhor, dá-nos juízes justos, consciências retas e um povo capaz de distinguir compaixão de complacência; dá-nos coragem para defender inocentes e rigor para punir culpados.

O Natal celebra a certeza mais consoladora que existe: Deus não nos abandona. Ele vem. Continua vindo. Nasce na manjedoura da nossa humanidade imperfeita e faz dela o berço do divino.

Feliz Natal a todos. Que o Menino Deus nos abençoe, e encontre espaço também em cada um de nós.

Publicado 24/12/2025 00:00 no Jornal O Dia
https://odia.ig.com.br/colunas/rafael-nogueira/2025/12/7184039-o-marco-zero-da-esperanca.html

Arte Paulo Márcio