Quem é que manda, afinal?

Um sobrinho, um livro e o Natal

Rafael Nogueira

12/25/20253 min read

Ontem, conversando com meu sobrinho Heitor, diante de uma cena muito comum e muito instrutiva: as mulheres da família iam discutindo na nossa frente o bem e o mal, e algumas coisas que implicariam os destinos de todos. Ele me olhou e soltou: “As mulheres vão mandar no mundo logo, não vão?”.

Respondi: “Pode ser que elas já mandem. Pode ser que sempre tenham mandado. É que a gente nem percebe”.

A resposta segue a linha da minha última leitura.

Sempre me dou livros, escolhidos de improviso, de presente de Natal. Agora foi a vez de O que é Poder?, de Byung-Chul Han.

Além de gostar de ler o que surpreende, passo melhor assim o intervalo das compras de Natal. Sou objetivo nos meus presentes; já minha esposa, ao contrário, é tipo uma comissão de licitação honesta. Observa tudo, pergunta, analisa, compara. E, por ser criteriosa, me dá também a oportunidade de ler enquanto passeio, que é uma das formas mais elegantes de não estar plenamente em lugar nenhum.

Claro, tudo depende do Joaquim não estar atacado, de eu não ter que dirigir longas distâncias com congestionamento etc. Natal também é logística, essa forma moderna de penitência.

Voltemos ao livro. Han me ofereceu uma ideia simples e meio incômoda, dessas que irritam porque parecem óbvias depois que alguém diz: o poder é tanto maior quanto menos precisa se mostrar.

Grito, ameaça, pressão, chantagem são desgaste de uma autoridade já cansada, que precisa enfrentar, contrariar, empurrar vontades para fazer a própria triunfar. Poder mesmo, diz Han, é aquele que não briga contra as vontades, mas as acompanha, as organiza, forma, seduz. Ou, no limite, produz.

É nesse ponto que a pessoa obedece achando que escolheu, e ainda agradece pela gentileza.

Daí me ocorreu que, com o feminismo, as mulheres passaram a disputar poder em estilo mais masculino: enfrentamento direto, jogo bruto, “manda quem pode”. Isso há relativamente pouco tempo.

Será que não é enganosa a pergunta sobre os números das “mulheres no poder”? Quantas mulheres há no parlamento? Quantas são vereadoras? Quantas são executivas de empresa?

Note bem: este é um post natalino, da paz, todo respeitoso com as mulheres que alçaram (ou aspiram a) altas posições na vida pública. Então, até para que esta anedota não motive inquérito, pense em como é perfeitamente possível usar o argumento para defender outras ideias, como, por exemplo, a tese contrária: os homens antes mandavam, como se fosse a coisa mais natural do mundo, e o fato de serem questionados que sua força está cedendo.

Enfim, se concordamos com o escritor sul-coreano-alemão, o poder visível, o que se exibe e briga, vale menos do que o poder invisível, que conduz sem lutar.

Antes de me acusar (e ao autor) de teoria conspiratória, tente encarar isto de forma anedótica, com o humor que hoje nos é possível. É pura verdade que, entre um pacote de presente e outro, um livrinho me fez pensar em quem manda mesmo no mundo, e no porquê de os que mandam raramente fazerem questão de parecer que mandam. Só que também é verdade que eu não venci muito mais do que umas vinte páginas. Vai que o homem desdiz tudo logo adiante e descobre que poder mesmo é se vitimar, investigar, julgar, prender e deixar morrer, tudo junto e misturado?

Deixo então ao amigo leitor uma pergunta honesta: você sente que hoje o poder mais forte é o que aparece, ou o que não aparece?