Scruton e Olavo: profetas em terra estranha?
Rafael Nogueira
1/15/20252 min read


“Nenhum profeta é aceito em sua própria terra.” A frase do Evangelho de Lucas (4:24) foi evocada por Daniel Pitt, aluno de Roger Scruton, ao refletir sobre o legado do filósofo britânico cinco anos após sua morte, em 12 de janeiro. A mesma sentença cabe ao pensar em Olavo de Carvalho, meu professor, falecido dois anos depois, em 24 de janeiro de 2022. Ambos marcaram profundamente seus países e além, mas seus pensamentos pareceram florescer melhor em terras estrangeiras, onde também foram mais reconhecidos.
Roger Scruton, devotado à missão de preservar a herança cultural ocidental em tempos de autodesprezo, foi desprezado pela intelligentsia progressista inglesa. É verdade que, mais velho, recebeu o título de Cavaleiro pelas mãos da Rainha Elizabeth II. Mas seus adversários o perseguiam e seus pares lhe negavam espaço. Enquanto isso, sua influência vibrava no Leste Europeu, onde, nas décadas de 1970 e 80, ensinava clandestinamente em universidades subterrâneas sob regimes comunistas. Por isso, foi condecorado com a Medalha de Mérito da República Tcheca, e Viktor Orbán o chamou de “amigo leal dos húngaros amantes da liberdade.”
Na Hungria, Scruton tornou-se tão célebre que seu nome batiza uma rede de cafés – quatro no total, sendo três em Budapeste e um às margens do Lago Balaton, onde também há passeios no “barco Scruton.” Sua obra é amplamente traduzida, debatida e perpetuada por iniciativas como o Scruton Hub. Um reconhecimento raro.
E Olavo de Carvalho? Ao contrário de Scruton, sua influência no Brasil foi intensa, mas envolta em confusões. Ele, que recebeu prêmios na Espanha por estudos sobre Ortega y Gasset, foi celebrado na Romênia, honrado no maior evento internacional de lógica por análises de Aristóteles e reconhecido pelo governo da Arábia Saudita por um estudo sobre Muhammed, acabou reduzido por muitos ao polemista das redes sociais.
Desde O Imbecil Coletivo (1995), Olavo desafiava o monopólio ideológico nas ciências humanas, ampliava repertórios bibliográficos e formava alunos, gestando mudanças no país. Seus cursos online e intervenções públicas reconfiguraram o debate nacional. Ele deu voz a uma massa silenciada, influenciando política, educação, cultura e até empresas – um impacto ainda em curso.
Contudo, tomaram o ativista pelo filósofo, o comentarista pelo professor. No exterior, porém, sua filosofia encontrou terreno fértil mais cedo. Em 2019, um evento em Lisboa, organizado por Mário e Juliana Chainho, reuniu acadêmicos para discutir sua obra. Participei e vi que, fora do calor das disputas brasileiras, seus temas filosóficos encontravam atenção mais profunda. Enquanto alunos influenciados por ele seguem promovendo eventos culturalmente relevantes na Europa, no Brasil predominam eventos que reduzem sua obra ao horizonte das disputas políticas.
Scruton, ouvido como acadêmico, mas pouco como pensador político. Olavo, como guia político, mas negligenciado como filósofo. O problema não é a terra, mas o tempo. O presente raramente reconhece seus maiores intérpretes. Talvez gerações futuras, livres das paixões de hoje, redescubram ambos em sua verdadeira dimensão – e esse momento pode estar mais próximo do que imaginamos.
Publicado 15/01/2025 00:00 no Jornal O Dia
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