Será a camisa vermelha um epitáfio?

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Rafael Nogueira

4/30/20253 min read

Escrever coluna bem-humorada, hoje em dia, é como tentar fazer piada em velório. O morto? A Seleção Brasileira. O assassino? A CBF, com arma cedida pela Nike e dedo no gatilho de marqueteiros que acham que tradição é opcional.

Não bastasse o Brasil ter virado uma distopia de toga, onde se prende por batom em estátua, por viagem que não houve e por crime de pensamento, agora querem nos esfaquear a memória coletiva: vem aí, senhores, a camisa vermelha da Seleção Brasileira.

É sério. Com o “Jumpman” da Jordan Brand no peito — porque, claro, nada mais brasileiro do que um logotipo de basquete norte-americano costurado na alma do futebol. Como quem cola figurinha do LeBron no álbum da Copa de 70 e diz que Pelé foi superestimado.

Segundo testemunhas, o novo uniforme será um vermelho desbotado — tom de sangue velho em lençol de hospital.

A desculpa? História. O pau-brasil era vermelho, dizem. Se for por isso, podíamos vestir a Seleção com casca de árvore e chamá-la de reconexão ancestral.

Alegam também que, em 1917, jogamos com uniforme rubro emprestado do Independiente. Sim — porque não tínhamos roupa nenhuma. Agora temos tudo — e vamos pelados de ideia.

O estatuto da CBF é claro: os uniformes da Seleção devem seguir as cores da bandeira — amarelo, verde, azul e branco. Só se admite cor diferente em camisas comemorativas, de uso pontual. Basta carimbar qualquer provocação com esse selo e fazer o time desfilar como se fosse 1º de Maio em Havana — sem data para acabar. Com o estatuto, como com as leis, a regra é simples: atrapalhou, ignora-se.

As camisas da Seleção deveriam ser tombadas. Não dobradas, não trocadas, não reinventadas. Tombadas. É Pelé em 70. Romário em 94. Ronaldinho rindo de si mesmo e dos zagueiros. É suor, fé, mito e memória num mesmo tecido. E, quando não era o amarelo, era o azul — improvisado na final de 58, colado às pressas sobre um uniforme sueco, inspirado no manto de

Nossa Senhora Aparecida doado pela princesa Isabel. Isso é História. Nossa primeira Copa foi vencida com fé forte e costura improvisada. Agora querem nos vender revolução socialista em poliéster importado.

Por que isso? Porque a amarela incomoda. Foi usada por quem ousou levantar-se contra a corrupção e lembrar que a liberdade, gostem ou não, ainda consta na Constituição. E a azul? Remete à religião. E religião, hoje, só se for de estimação progressista. A Nike, a CBF e o conluio dos preclaros que se julgam donos do Brasil decidiram que é hora de passar a régua. Redesenhar a Seleção como se fosse um ensaio de moda — com pauta escrita em Pequim.

A camisa vermelha não é só inadequada, insultuosa, ofensiva. É feia. É cínica. É marketing ideológico disfarçado de inovação. E, claro, tem grana na jogada. A Nike quer vender camisa para universitário lacrador que agora vai tirar selfie com a camisa nova dizendo que é ressignificação. Eis que o capitalismo, mais uma vez, bate a carteira do socialista. Vende ideologia, entrega pano.

Estamos, afinal, perdendo mais que uma camisa. Estamos perdendo o próprio futebol brasileiro. Há 31 anos o Brasil não ergue uma Copa — um jejum maior que o de 1970 a 1994. Hoje temos apenas um grande craque, cercado por um entorno que já não tem a mesma grandeza. Perdemos a primazia do futebol-arte. Perdemos o improviso e a leveza que faziam do Brasil um espetáculo e um perigo.

A camisa vermelha não é apenas um insulto: é o epitáfio de um futebol que estão deixando morrer.

Ainda dá tempo de rezar — e pedir a Nossa Senhora, não um milagre, mas juízo na CBF. Dá tempo de algum diretor acordar suando, assombrado por pesadelos com Garrincha vestido de azul. Dá tempo de lembrar que Seleção de futebol não é vitrine de moda, que camisa de jogo não é estampa de grife. Dá tempo de impedir que confundam símbolo nacional com adesivo de campanha.
Ou reagimos agora, ou daqui a pouco trocam a bandeira nacional por um pano vermelho com estrelas dispostas como foices e martelos — e chamam de performance. Permanente.

Não mexam com nossa camisa. Mexam no treinamento, mexam na estratégia, mexam até na escalação. Estamos precisando revigorar o nosso futebol, que vai mal — não explorá-lo ainda mais, e em seu pior momento, por motivações esdrúxulas. Não toquem naquilo que nos resta de mito. Porque no dia em que a Seleção entrar em campo de vermelho, não vai parecer Brasil. Vai parecer uma coisa tão esquisita quanto soldado brasileiro vestindo vermelho. E aí, meu caro, nem Nossa Senhora na causa.

Publicado 30/04/2025 00:00 no Jornal O Dia
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